Escrita por Ery Lopes
O grande dia finalmente chegou e todo o povo do Reino Melancólico estava animado com o concurso, especialmente as meninas candidatas a um lugar na família real.
a praça central, em frente ao palácio, um tapete vermelho foi colocado para que as moças desfilassem e, ao fim da passarela, que dava direto com os dois tronos — um para a rainha e outro para o rei —, elas entregassem seus presentes aos seus monarcas.
O rei estava esperançoso que aquilo tudo acabasse bem. A rainha, por sua vez, estava bastante ansiosa, e por dois motivos: queria finalmente poder abraçar uma menina como filha e, além disso, não conseguia se esquecer do chocolate.
— Onde está aquela mulher que não me traz logo aquele doce? — resmungou a rainha, revistando a multidão para ver se encontrava a confeiteira.
Nada da mulher. Os olhos da rainha passeavam pela multidão tão atentos quanto olhos de águia, mas nenhum sinal da Dona Gertrudes — e nem daquele mágico doce.
— Que comece o desfile! — bradou o porta-voz real.
A multidão aplaudiu e um coro de cornetas soou forte acompanhado por tambores.
As candidatas se apresentaram em fila, sobre o tapete vermelho, cada uma com um presente nas mãos. Eram moças muito bonitas e bem comportadas. Além do mais, pareciam bem mais animadas do que o habitual — que era de melancolia.
Uma a uma, encaminharam-se até os monarcas e lhes entregavam os mimos. Os presentes eram desde objetos pomposos, como joias de ouro, até coisas mais humildes, como artesanatos e alimentos.
Quando chegou a vez da filha da Dona Gertrudes a rainha reconheceu o formato do embrulho do presente e deu um salto de euforia:
— Chocolate! — exclamou de pronto.
O rei estranhou a atitude de sua senhora, que quase desesperadamente pôs-se a desfazer a embalagem e a começar a devorar o doce.
— Minha rainha — disse o rei —, não poderia esperar…
Ela o interrompeu, mesmo de boca cheia:
— Me desculpe, querido, mas esse doce é especial. Quer um pedacinho?
Ele se sentiu tentado, mas achou por bem se negar, afinal eles estavam em um compromisso oficial.
— Meu bem, estamos realizando o grande concurso!…
A majestade então lhe respondeu, agora já lambendo os dedos:
— Ah, sim, o concurso… Bem, por mim, já podemos parar por aqui. Eu gostei dessa menina.
Como já sabemos, a filha da mulher das ervas, dos doces e da magia era realmente uma gracinha de moça, inclusive o soberano gostou dela, contudo, ele ponderou:
— Temos de respeitar as demais candidatas e seguir o protocolo do evento. Só então poderemos anunciar a felizarda.
Como eram muitas meninas, o desfile durou horas. Por esse tempo a rainha já estava começando a ficar impaciente: não com o evento em si, mas pela vontade de comer chocolate novamente. De qualquer forma, era preciso seguir o tal protocolo oficial, quer dizer, as regras de organização da cerimônia.
Do jeito que a rainha olhava para a mocinha que lhe trouxera o chocolate, todos já apostavam quem seria a escolhida. Dona Gertrudes enfim deu as caras no meio do povo e estava quase flutuando de contentamento. Era questão de tempo para que sua jovenzinha fosse proclamada "sangue real".
Finalmente, a última candidata desfilava sobre o tapete vermelho e se dirigia em direção aos soberanos daquele reino. Mas, diferentemente das demais meninas, ela estava de mãos vazias. Toda a multidão percebeu isso e todos ficaram curiosos para ver o que aconteceria logo mais com o encontro dela com os monarcas.
Ao se apresentar diante dos tronos, ela cumprimentou o casal real inclinando a cabeça para baixo, depois beijou a mão direita da rainha e do rei, exclamando em seguida:
— Meus nobres soberanos, sinto não poder lhes trazer nada material em oferta, mas trago meu sincero respeito e votos que sejam muito bem-sucedidos na importante decisão que estão prestes a tomar.
O jeito carinhoso com que a moça se apresentou, seus olhos meigos, a sutileza de seus movimentos, sua formosura física e seu olhar cativante tocaram o coração do rei e da rainha.
— Quem é essa menina tão meiga? — a rainha perguntou reservadamente para um dos conselheiros reais.
— Vossa Majestade — o conselheiro começou a explicar —, seu nome é Tristezinha; ela é sobrinha de uma das educadoras da vila. Ela é órfã desde pequenina; seus pais faleceram de um mesmo acidente.
Então ambos, rainha e rei declaram de uma só vez:
— Eu a escolho!
As cornetas tocaram e os tambores roncaram anunciando a decisão real. A multidão inteira aplaudiu saudando a princesa real.
Muito satisfeitos, rainha e rei empossaram a eleita lhe colocando uma esplendorosa tiara e renomeando a moça como "Princesa Carol".
Além disso, naquele mesmo dia, o Reino Melancólico foi rebatizado para Carolândia.
Como dissemos, a multidão inteira ficou satisfeita — a multidão inteira, exceto a inventora do chocolate. Dona Gertrudes ficou decepcionada e furiosa por sua filhinha não ter sido a contemplada, apesar de sua mocinha não ter alimentado qualquer inveja. Na verdade, até ficou contente com a escolha, pois conhecia e apreciava a menina Tristezinha — agora, a Princesa Carol.